20091027

as instruções de freaknomics

Superfreaknomics sucede a Freaknomics, e com grande probabilidade será um campeão de vendas global como o seu irmão mais velho. As instruções da série Freaknomics são claras, mas, no entanto, raramente são seguidas em Portugal. Antes de tudo o mais, importa ter um objectivo interessante, neste caso fazer chegar conhecimento científico a todo o tipo de leitor. Dada a complexidade da tarefa, é importante ter um método eficaz. A instrução freaknomics é a de juntar um académico brilhante, o economista Steven D Levitt, e com suficiente estatuto para mobilizar outros académicos, como o sociólogo Sudhir Venkatesh, com um bom profissional da escrita, o jornalista Stephen J Dubner. Levitt, e os seus pares, são os condutores da informação. Dubner é o recolhedor, cuja missão é a de transformar dados científicos em texto acessível e elegante. A instrução seguinte é a de entre os dois ser criado o tempo necessário, ou seja muito tempo, para a informação ser mobilizada, passada, analisada e escrita de forma adequada. A instrução final é o do respeito pelo papel de cada um, e a da não interferência no papel de cada um. Levitt assegura o rigor da informação científica. Dubner a capacidade narrativa necessária para uma investigação académica ser transformada numa boa história. Apliquei esta fórmula com Maria José Morgado, e daqui resultou "O Inimigo sem rosto - fraude e corrupção em Portugal". A julgar pelo volume de vendas, o mercado gostou. Mas, apesar das várias tentativas que fiz, nunca consegui parceiro para repetir o projecto. Ao mesmo tempo, todos os dias são publicados livros no mercado nacional que não respeitam as instruções, fazendo com que dados de enorme interesse público nunca sejam conhecidos. Razões bem portuguesas determinam as duas situações.

20091025

memórias internas da ditadura

Felizmente, o autor, um quadro superior de uma das instituições mais importantes da ditadura salazarista, tinha escrito as suas memórias num computador. O texto, quando o recebemos, estava perto do caos. O testemunho tinha sido escrito ao sabor dos entusiasmos do momento do autor, e, notava - se claramente, em vários períodos de tempo muito distantes entre si.O trabalho de edição obrigava à execução de algumas tarefas clássicas, e algumas outras próprias do texto entregue. Antes do mais, foi preciso ler o original e tentar encontrar um fio condutor das memórias. Esse era um dos principais problemas. O autor queria, no mesmo texto, mostrar o seu conhecimento do Estado salazarista, contar as suas experiências profissionais, partilhar o seu olhar do mundo, e ajustar algumas contas pessoais, com figuras da ditadura mas também com algumas da democracia. A solução encontrada foi a de dividir as memórias em quatro partes isoladas, movimentando e recolocando porções consideráveis de texto. A partir daqui estava criada uma base de trabalho para intervenções cirúrgicas no texto, primeiro ao nível da ordem, depois ao nível do ritmo e estilo. No primeiro caso, optou - se pela solução clássica da ordenação cronológica, primeiro, e temática, depois. A harmonização de ritmo e estilo foi mais sensível. Se nalguns trechos existia emoção a mais, noutros a secura de pormenores imperava. Com a colaboração do autor, fornecendo os dados, criou - se o equilíbrio desejável. O passo seguinte foi eliminar uma das falhas mais comuns das memórias, a repetição de factos e acções em pontos diferentes da narrativa. Aqui o que é exigido é concentração, já que a repetição por vezes dá-se apenas ao nível de um parágrafo. O trabalho de edição passou então para a tarefa mais simples, mas mais sensível já que tocava em sensibilidades pessoais do autor. Na verdade, este, ao longo da sua vida, cultivou três ódios de estimação. E com uma regularidade extraordinária, insultava as três pessoas a cada dez páginas das suas memórias. Após uma negociação intensa, foi concedida a redução da frequência de agressões. O texto ficou límpido, isto é pronto a ser publicado.